sábado, 10 de dezembro de 2011

Quando eu era criança...


Quando eu era criança,
Tinha medo do escuro.
Tatear o desconhecido
Era temer o que eu poderia encontrar.
Sair do campo de visão dos adultos.
Era inadmissível...
Meu pai sempre dizia:
Liberdade demais não combina com pouca idade.
Nunca deixou que eu empinasse pipa,
Acho que ele temia que eu aprendesse a voar.
Pipa no ar era a clara personificação da liberdade,
Voar sendo preso por uma linha tênue na terra.
Era quase encontrar com Deus.
Nunca andei de bicicleta sem as duas mãos,
Tinha medo de perder o controle.
Nunca fiquei mais que três segundos debaixo d’água.
A pressão nos ouvidos me incomodava.
Nunca me enterrei por completo na areia,
Tinha uma alergia que não me permitia muito contato com o mundo.
Nunca dei uma gargalhada de madrugada.
Pois na calada da minha noite, o som não se propaga.
E no meio de todos esses medos, me apaixonei.
Sentimento de tanta doação,
Foi brotar em um mar de tanta privação, medo.
Criei um universo paralelo.
Comecei a brincar com palavras rimadas.
Inventar amores, sussurrar de madrugada o quanto te amava.
Gostei tanto disso.
Eis que acontece o que meu pai tanto temia...
Aprendi a voar.
Nas poucas vezes que te via, eu fugia.
Fugia de você porque no fundo queria fugir de mim.
Escrevia pra você, palavras rimadas que queria dizer pra mim.
E sempre exigi sua compreensão,
Mas minhas entrelinhas envolvidas por tanto mistério,
Era indecifrável, quase um dialeto próprio.
Mas o encanto de tudo isso,
Era a liberdade que sentia ao pensar em você.
Pois no pensamento não tinha medo de tatear o desconhecido,
Perder-me de vista,
Perder o controle,
Porque no pensamento é o único lugar que somos totalmente livres.
E era em pensamento que te encontrava todas as noites,
E me desvinculava dos meus medos
Porque quando eu era criança...
Gostava de inventar meus dias,
Brincar com as palavras,
E pensar nos meus amores.











...Não fique triste, menino
A linha é tão fácil de arranjar
Venha aqui, venha escolher
Papagaio de toda cor...
A casa estava escura
No vento forte a chuva desabou
A luz não vem, eu aqui estou
A rezar na escuridão e só...
Venho no vento da noite
Na luz do novo dia cantarei
Brilha o sol, brilha o luar
Brilha a vida de quem dançar...
(Maria Solidaria - Beto Guedes)


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